Sábado, Março 29, 2008

...

The devils, they burn inside of us... are we ever gonna com back down?

O Espectro do meu Sonho em Mim

Apavorado acordo em treva...


E ontem foi um dia longo e estranho. E hoje, não sei, sinto algo que se parece muito com culpa. Não fiz nada de errado, então por quê?

Apavorado em treva acordo o mar,
sonâmbulo, patético e sem fim,
e há um manto em luz de prata a lhe velar.
Esse é o espectro do meu sonho em mim.

Ontem esperei o intervalo fora da aula, querendo dormir. E fui acolhida por funcionários preocupados. E dormi ao invés de astudar francês. E passei boa parte da tarde pelos cantos. Mas isso esqueci. Tudo isso esqueci.
Ontem discuti minha idéia de jogo com o Charles, que foi honesto de uma forma gostosa e doída. Ele me acompanhou enquanto eu fazia um trabalho, e depois se despediu, com um beijo. Mas isso eu deixei para trás. Tudo isso ficou para trás.
Ontem não me manifestei durante a aula. Ouvi e fiz um comentário, mas de certa forma me escondi. Mas isso não prendeu-me ao chão. Nada disso me prendeu ao chão.
Ontem a música tocou e fiquei indo e voltando, indecisa, procurando, evitando amigos com outros amigos e cantando baixinho a música que me fascinava. E quando a Tarsila chegou, usei seu celular para pedir permissão para ir a um bar, para o qual fui no carro dela, e onde não paguei nem uma cerveja. Será que foi isso que me aprisionou?

Não. Suspeito;
o não-pagar já se tornou rotina,
e não estou dizendo que maus costumes não doam dobrado,
mas de qualquer forma eu vou pagar,
e o que estou sentindo;



O que estou sentindo não é real.



Meu deus (eu nem acredito mais em Deus), ontem eu devo ter ficado muito bêbada para justificar o tanto de absurdos que pensei.
Não os que falei. Só o que pensei.

Sou o mar! sou o mar!...


Suspeito que essa sensação estranha, esse sentimento que parece culpa (mas por quê?), bem, suspeito que não tenha vindo do bar, mas do sonho.

Não sei porque um sonho me faria me sentir culpada, mas sinto que há algo maior nesse sonho
que não consigo pegar...
Haviam muitas mesas de jantar... Logo ao lado meu irmão jogava um jogo de video-game muito divertido num telão, e nós assistíamos. Meu primo Max havia vindo numa barraca e eu como não tinha onde dormir ia dormir com ele na barraca. Ele me abraçava protetoramente, e eu tentava dormir no colo dele enquanto assistíamos o Marco jogar videogame. Nas mesas de jantar estava toda a família — tios, tias, tias-avós, filhos de tias-avós, meus pais, minha irmã (ou será que ela assistia o videogame conosco, encostada na parede mais distante?), minhas primas Giulia e Carol, Meus primos mais velhos, minha avó Celma... Vovó sorria mais jovem do que eu me lembrava, e me dava alguma coisa (ela sempre me dava alguma coisa... este casaco verde-limão... este anel de brilhante... aquela ameixa preta que nunca parei de comer.) e minha tia ria enquanto contava alguma coisa de sua vida. Estava tudo certo, mas eu não sentava na mesa com todos eles (acho que só adultos sentavam na mesa) e eu tentava dormir, rolando para fora do abraço do meu primo (incrível que ele não deixe de ser meu primo, depois de tantos anos), eu tentava dormir longe, haviam três colchões e eu trouxera roupa de cama, eu tentava dormir para não pensar, haviam três colchões de ar como o que eu comprei a caminho do bife, eu... Talita me acordou, e eu estava pensando.

Demorei alguns segundos para interromper o raciocínio de sonho. Sentia uma forte vontade de ver meu primo (não nos vemos há vários anos). O sol entrava pela janela, e havia trabalho a fazer. Pensei na noite anterior, no bar, no sabor da cerveja, nas pessoas que conheci, nas pessoas com quem muito conversei, em como me diverti — mas não parecia nem um pouco divertido. Me arrastei então pela casa, meio sonho, meio gente; havia trabalho a fazer e a diversão de ontem desapareceu do meu peito, dando lugar a esse sentimento esquisito, parecido com culpa.

Quando a gente sonha, a gente tem consciência?

Sexta-feira, Março 28, 2008

Como ser aprendiz

"Aquilo que em mim sente está pensando" - Fernando Pessoa

Aprender é difícil. Aprender é delicioso, como criar. Freud falava em orgasmo e criação, mas os árabes falavam de comer, dormir, amar e conhecer. Intuo que os árabes sejam significativamente mais sábios que Freud. Intuo, aliás, que Freud não seja tão sábio assim.

Aprender é em parte confiar. Difícil é confiar. Confiar implica respeitar, e respeito implica reconhecimento. Conhecer de novo, à procura do conhecimento real. Respeitar não significa admirar incondicionalmente ou de forma acrítica. Respeitar não é estimar. Não é possível respeitar alguém pondo-o num pedestal. Respeitar implica, acima de tudo, reconhecer.

Confiança implica conhecimento. Confiar em alguém é saber do que essa pessoa é capaz. Confiança tem como pré-requisito o respeito. Respeitar, quase sempre, requer ser respeitado.

Estou falando tudo isso por causa da aula de hoje, e de tudo o que veio antes dela. Por causa do Agnaldo falando do Miguilim e ficando todo arrepiado. Ele estava a menos de um metro de mim e eu vi claramente os pêlos do seu antebraço se eriçando enquanto seus olhos brilhavam falando de Miguilim pondo os óculos. É tão difícil, sabe? encontrar alguém tão apaixonado, alguém... tão deslumbrado, tentando (vê-se) abrir mais e mais os olhos para ver aquilo a que a razão não basta.
É por causa disso (principalmente) que gosto do Agnaldo. Gosto de tê-lo como meu professor. Admiro sua clareza de pensamento, sua eloqüência, mas acima de tudo sua admiração perante os grandes artistas. Sua exaltação. Se eu tivesse ainda quinze anos, me permitiria apaixonar-me por ele. Percebo isso talvez porque não tenho mais quinze anos.

Ele não me admira. Ele não me ajuda nem me elogia. Ele não me superestima nem me subestima, e nisso está a maior parte do meu respeito por ele, como professor. Descobri que não consigo gostar demais de ninguém que, sem me conhecer a fundo, goste demais de mim. Isso é desrespeito. Respeito é procurar ver realmente. Respeito é decoro, é tratar as coisas como são, já que estávamos (lembra?) falando de hybris. Embora eu perceba que o professor provavelmente não sabe meu nome, fico feliz, talvez tolamente, por ele me tratar pelo que sou, sem erros. Respeitar é trilhar o próprio caminho, e não o dos outros.

Quarta-feira, Março 26, 2008

Delusion

Uma revoada de pombas brancas voa sobre nós através da névoa.


Angels and Devils
Dishwalla




This is the last time
that I'm ever gonna come her tonight
This is the last time -
É impossível não sentir dor. É impossível não temer. Será igualmente impossível não sentir amor?
- I will fall
into a place that fails us all -
Tenho pensado tanto, e tanto querido, que mal me sobra tempo para amar. O mêdo inclusive sobrepuja o querer amar. O medo e a preocupação. Hoje até me peguei querendo pensar que não estou à procura de amigos e conseguindo apenas segui-los através do ar cada vez mais grosso. É como se eu não quisesse mais. Amo-os, e é tudo. Me peguei pensando também que não acredito em quase nada do que fazemos de design gráfico. E que nunca serei uma boa designer. Mas talvez. Maybe this is the last time I will fall into that place that fails us all
- Inside



Well, I can see the pain in you
And I can see the love in you
but fighting all the demons will take time
Por dentro coleções de corpos,
Máscaras vazias.
Que se erguem por vontade ou necromancia
Que sorriem por alegria ou por maldição.
It will take time


Meu Deus.
E eu nem acredito mais em Deus. Assim, desse jeito. Não sei. Fé, comunhão, todas essas coisas. O futuro está aí, nós estamos em outro lugar. Como você disse, antes do começo. Como eu imaginei, morrendo e renascendo, lutando pelo melhor útero, mas nem tanto assim. Porque derrotar nossos demônios leva tanto tempo, que parece não valer a pena. But I can see the pain in you.
The angels they burn inside for us
Fiquei imaginando coisas, deliciadamente.
Haveriam bibliotecas e fazendas, e não seria preciso lutar para subir de nível.
Humanos seriam desequilibrados, e haveriam raças secretas.
Seria possível escrever livros, revelando segredos.
E romances, é claro, dariam experiência.
Afinal, o que seria de mim sem romances? O que seria de nós?
Are we ever
Are we ever gonna learn to fly?
Romances, como sonhos, são muito mais importantes para o aprendizado do que é reconhecido. Nós é que... desconfiamos demais da realidade. Nós é que não temos fé em nossos mestres. Nós é que queremos matar nossos pais.
Mas depois nossos pais deixam de ser nossos pais eles ainda são nossos mestres, nossos amigos, nossa responsabilidade. O problema é que nós dificilmente deixamos de ser seus filhos. And I can see the love in you.
The devils they burn inside of us
Are we ever gonna come back down -
Por dentro, sempre por dentro;
quando na verdade o que aflige é o que está por fora, e que é tão forte que fere
que fere com um punhal
dentro nossos corações...

Tremem..
- come around?


Imaginei caminhos a serem seguidos, bons e maus, fáceis e difíceis, absurdos e sensatos.
Imaginei mestres e aprendizes. Mães e nascimentos. Órfãos. Vidas. Números.
Imaginei um coração jogável, como eu sempre quis, maior e mais ambicioso do que um simples jogo. Baseado como sempre na eternidade versus a satisfação imediata. Os dias seriam horas e anos, bem, seriam anos. Apenas muito, muito longos. E o tempo seria contado em meses, como se todos fossem sempre, sempre bebês.
I'm always gonna worry about the things that could make us cold...


E vou imaginar mais, imaginar com mais vontade e mais fervor, dar mais voltas no vazio e chegar cada vez mais longe na minha obcessão que agora parece tão criminosamente infrutífera. Porque imaginar é vencer. Imaginar é não sucumbir. Imaginar é reter (em forma líqüida) aquilo que o mêdo e a responsabilidade tentam arrancar de mim como se fosse, talvez, contraproducente.
This is the last time
Imaginar é descer para a terra e inevitavelmente ascender, não aos céus, mas ao Universo; ascender e compreender como um Deus com um microscópio, que a árvore vem da flor, que a pele é uma malha de células; que as moléculas vêm dos átomos, que são mundos feitos de quarks, e que nada disso passa de um intrincado sistema de energia-matéria, que, sendo uma, são Tudo.
That I'm ever gonna give in tonight
Imaginar, talvez... é escapar.
Are there angels or devils crawling here?
E se for possível não se render, e viver a partir daquilo que também dá sentido à vida? E se for possível fazer desse mundo um mundo em que não apenas eu viva? E se um dia tudo o que foi desperdício se tornar aprendizado, e tudo o que foi aprendizado se tornar desperdício?
I just wanna know what blurs and what is clear -
E se?
- to see!

Terça-feira, Março 25, 2008

À vida, porque viver non necesse.

...the lines drawn on your hand...


Hoje estendi meu feriado para ir ao aniversário do meu primo de um ano. O primeiro aniversário. Primeiro de toda uma vida. Para mim ainda é estranho, quatro anos depois de o Ennzo nascer, ainda é estranho ter primos tão pequenos.

Mamãe não entende a estranheza porque para ela a vida foi uma grande constante. Não para mim. Passei tempo demais sem notar que as pessoas mudavam. Passei tempo demais sem me dar conta. Mas agora vejo claramente; agora o véu se afasta e o tempo me encara nos olhos, sem sorrir, mas também sem rosnar. Agora é a hora de nascer de novo; agora é hora de crescer. Tenho agora consciência, como nunca tive, das gerações. Agora uma nova geração de crianças nasce e cresce, e elas criam suas personalidades, e riem e choram, e aprendem, e em breve Ennzo e Bruno se tornarão rapazes, e terão suas brigas de irmãos, suas disputas, suas alianças. Eles crescerão e aprenderão aquilo que aprendemos, e outras coisas além. Eles terão melhores amigos e namoradas. Eles irão ao cinema e aprenderão a beber. Agora eu entendo, como não podia entender quando me apresentaram aquele bebê gordinho, três anos atrás. Alice aprenderá a engatinhar e balbuciará o que poderão ser palavras. Ela se apoiará nas coisas e nas pessoas para ficar de pé, e ficará feliz quando conseguir. Talvez essa seja a metáfora da vida do Homem. Nós nos apoiaremos nas coisas e nos outros para ficarmos de pé, e só estaremos felizes quando conseguirmos imitá-los.

Mas não é só isso. Minha irmã também crescerá, sairá de casa, se casará. Ela terá filhos que também aprenderão a andar, e seus filhos serão tão diferentes uns dos outros quanto nós somos diferentes; quanto Mamãe é diferente de seus irmãos; quanto Vovó é diferente de suas irmãs. Os velhos morrerão, talvez, e os jovens sofrerão (porque jovens sempre sofrem), e os adultos lutarão para serem o que sempre foram. E novas crianças nascerão, e suas risadas nos farão sorrir aquele sorriso exagerado, e as histórias delas serão contadas anos depois... Agora eu entendo.
Entendo que presente se criará através do passado, que se tornará dor e delícia nas nossas presentes lembranças. O grande sonho de criar uma família de muitas gerações, em que a história de antes precede a história de hoje, e todas são uma só e todas são importantes, se realizará. Será possível então lembrar daquilo que foi antes. Tudo aquilo que dói agora, também, se tornará parte da história. O mundo, pitoresco e completo, se realizará.


É esse o sentimento.

The journey, it mirrors... the journey, it mirrors...

É esse o sentimento!

...the lines drawn on your hand...

Quinta-feira, Março 06, 2008

Le Démon de Minuit

"Os dois me queriam, e eu, por pura loucura, fiz um sorteio."


Por dentro vidas vazias,
Máscaras quebradas.

Queria apenas dizer que hoje lendo um livro
O livre de Hervé Bazin chamado O Demônio da Meia-Noite
tive de recorrer ao dicionário para entender uma das muitas metáforas (muitos diriam que são excessivas)
afinal como forçar-se a lembrar com clareza o que representam os signos montante e jusante?

Estou perdendo de novo a noção dos dias e de novo as coisas começam a parecer difíceis.
Mas tenho fé em alguma coisa.
Não sei bem. Procuro ter fé. Tenho a boca sêca.

Percebi hoje que minto pra mim com a perfeita consciência de que estou mentindo. Sei o quanto é ridículo, mas me compreendo, assim. Para que possa finjir para os outros. Covardia, talvez; mas quem realmente teria coragem de existir plenamente no mundo, diante da sociedade? O tipo de covardia que inclusive se esconde e se justifica. Às vezes murmuro para mim mesma, sem nenhum motivo, sem saber se é real ou mentira: não quero finjir. Não vou finjir que estou à vontade, que me sinto tranqüila, aceita, segura. Não vou finjir que tenho interesse em que e em quem não me interessa. Será? Não tornaria tudo ainda mais duro, esta decisão ao mesmo tempo valente e pateticamente covarde? Não tornaria mais duro finjir, eventualmente, que não me interesso, quando me interesso por que a que não interessa meu interesse?

Estou perdendo a noção das coisas, esquecendo o que eu já sabia. Sinto que tudo o que sei é inútil, que o que deveria saber, não sei. Tenho preguiça das coisas e uma ânsia curiosa por me exaurir. Estou preocupada com meus limites físicos, mas o que mais me desespera é sentir minhas limitações intelectuais. Percebo agora que o peso da farsa que eu carrego há tanto tempo apenas aumenta com o passar dos anos. Por dentro, às vezes odeio todos aqueles que me admiraram um dia, e que mal me conhecem. Às vezes sem querer sinto uma raiva que envolve as imagens de todos os personagens da minha meta-infância. Sinto raiva da minha capacidade de escrever sobre isso. Não quero desabafar. Quero sair.